O CONAR na Internet

Flavia Penido/ outubro 18, 2012/ direito digital, Publicidade

Conjunto Nacional – São Paulo, sede do CONAR

Estive esta semana no CONAR com o Sr. Edney Narchi, Vice-Presidente Executivo do órgão, para me aprofundar sobre a atuação do órgão nas mídias digitais, atuação esta que vem tendo presença cada vez mais constante. Os temas discutidos foram inúmeros e certamente serão necessários mais de um post para esgotá-los.

 O CONAR e as normas legais

Antes de mais nada, cumpre situar o CONAR no nosso ordenamento jurídico. O CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – é uma associação sem fins lucrativos, surgida nos anos 70 com o intuito de autorregular o mercado publicitário brasileiro.

Suas regras não possuem força de lei. Poderíamos a rigor dizer que a Constituição Federal, o Código Civil, o Código do Consumidor e outras legislações específicas se sobrepõem ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, pois possuem força de lei, enquanto este último não possui tal efeito vinculatório.

No entanto, é perceptível notar ao longo dos anos a eficácia das decisões na mídia offline em razão da vontade de seus associados em ver as decisões cumpridas, movimento que vemos  agora na internet, apesar de não haver nada que force ou vincule as partes ao cumprimento das decisões do CONAR. O cumprimento de suas decisões de forma espontânea faz com que estas tenham uma eficácia surpreendente. 

Frise-se que o reconhecimento do CONAR pelo mercado publicitário on line só lhe trará benesses, de uma vez que suas decisões são proferidas com maior rapidez que aquelas proferidas pelo Poder Judiciário – lembrando ainda que a associação conta com profissionais do mercado e portanto está mais apto a julgar algumas questões técnicas (esse tem sido um grande problema junto ao Poder Judiciário para aqueles que militam na área do Direito Digital). 

No entanto, há que se ter em mente que as normas estatuídas pelo CONAR não são as únicas existentes e que não basta apenas cumpri-las para que um anúncio (on line ou não) esteja a salvo de qualquer tipo de sanção: é verdade que o fato de o CONAR ser o órgão mais atuante faz com que a observância de suas regras a priori  proteja um anúncio de receber sanções por parte daquele órgão, mas não podemos esquecer todo o ordenamento jurídico restante. 

Há efetivamente algumas divergências entre o que o CONAR entende como ético e o que a lei entende como válida; por vezes o CONAR tem um entendimento mais rigoroso do que a própria lei (na publicidade para bebidas por exemplo, que abordarei em outro post, o CONAR é mais rígido que a própria legislação em vigor) e em outros casos, em decorrência da especificidade do tema, o CONAR desce a um nível de detalhamento que sua visão sobre o tema pode ser vista como mais elástica do que a própria lei. 

Como proceder numa situação onde há conflitos dessa natureza? Deve-se optar sempre por seguir a regra mais rígida, sob pena de correr-se o risco de infringir tanto a norma autorregulatória quanto a lei – lembrando sempre que uma decisão favorável ou não da associação de classe autorregulatória terá influências em um processo judicial.  O cuidado na análise do caso fático e da lei aplicável, a fim de evitar-se dissabores futuros, é imprescindível.

Atuação do CONAR na Internet

A atuação do CONAR na internet vem se intensificando bastante no último semestre. Um dos casos mais comentados (embora não tenha sido o primeiro) certamente foi o “Perdi meu amor na balada” (Processo nº 174/12), julgado em setembro deste ano. O processo foi arquivado em razão de o órgão não ter visto nada além do instituto do teaser, previsto no art. 9º do seu Código de Autorregulamentação, a seguir transcrito:

Artigo 9ºA atividade publicitária de que trata este Código será sempre ostensiva.

§ 1o – A alusão à marca de produto ou serviço, razão social do anunciante ou emprego de elementos reconhecidamente a ele associados atende ao

princípio da ostensividade.

§ 2o – O “teaser”, assim entendida a mensagem que visa a criar expectativa ou curiosidade no público, poderá prescindir da identificação do anunciante, do produto ou do serviço.

Este é um caso onde o CONAR tem uma visão diferente do Código do Consumidor: quando do lançamento de “Perdi meu amor na Balada”, questionou-se a falta de identificação de anúncio de publicidade com fundamento do Código do Consumidor (alegação também duvidosa, por outras questões que não são pertinentes abordar agora). O CONAR arquivou o processo tendo em vista o disposto no seu próprio Código de Autorrregulamentação, de uma vez que os princípios publicitários que norteiam aquela Associação vêm no teaser uma condição especial que dispensaria a necessidade de identificação. 

Também no mês de setembro deste ano houve o julgamento dos processos de algumas blogueiras de moda referente a posts não identificados como sendo patrocinados ou publi-editoriais. Nestes casos houve advertência pública aos blogs, em razão da falta de identificação. 

Recentemente também houve o caso da concessão de liminar à Rede Globo, versando sobre o vídeo da Vivo que aludia a personagem da novela Avenida Brasil. O processo ainda não foi definitivamente julgado, e será tema de outro post, mas a questão versa sobre marketing de emboscada e direitos autorais de terceiros (e de novo, a lei de Direitos Autorais não vedaria a utilização do personagem em um anúncio, mas há disposição expressa no Código de Autorregulamentação sobre o tema). 

De acordo com as informações obtidas, as denúncias sobre anúncios on line em desacordo com as normas do CONAR têm sido inúmeros, bem como os contatos no intuito de obter informações de comportamento adequado – o que mostra o interesse em um mercado mais sério e ético, a meu ver.

Posts Patrocinados: a Visão do CONAR

É válido falar um pouco sobre os posts patrocinados, que ainda geram dúvidas tanto para os blogueiros quanto para as agências de mídia on line: O Código de Autorregulamentação do CONAR é muito claro a esse respeito: vários de seus artigos mencionam o princípio da OSTENSIVIDADE da propaganda publicitária, inclusive para merchandising. Vejamos: 

Artigo 9º A atividade publicitária de que trata este Código será sempre ostensiva.
§ 1o – A alusão à marca de produto ou serviço, razão social do anunciante ou emprego de elementos reconhecidamente a ele associados atende ao princípio da ostensividade.
§ 2o – O “teaser”, assim entendida a mensagem que visa a criar expectativa ou curiosidade no público, poderá prescindir da identificação do anunciante, do produto ou do serviço.

Artigo 10 – A publicidade indireta ou “merchandising” submeter-se-á igualmente a todas as normas dispostas neste Código, em especial os princípios de ostensividade (art. 9o) e identificação publicitária (artigo 28).

Artigo 28
O anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação.


Apesar da necessidade de identificação, não haveria no entanto, no entendimento do CONAR, qualquer tipo de aviso seria suficiente, como por exemplo, a mera aposição da  tag “publieditorial” ou similar, que é muito utilizada. 

Cumpre anotar que quando pensamos na legislação aplicável, não podemos escolher uma ou outra, ao nosso bel prazer: há toda uma hierarquia de leis a ser seguida, hierarquia esta onde o Código de Auto-Regulamentação tem seu lugar, por certo, mas não podemos ignorar o restante de todo o ordenamento jurídico brasileiro. E o Código do Consumidor afirma  em seu art. 36 que “ A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”.

Assim, se de um lado é suficiente para o CONAR que a mera aposição da tag publietorial em um post, de outro também não podemos nos esquecer que para efeitos do Código do Consumidor somente esta providência talvez não seja suficiente – e em questões de direito, mais vale ser cauteloso  do que se arriscar.

Da representatividade da mídia on line e da eficácia das decisões do CONAR no meio on line

Abordou-se também a questão da eficácia das decisões – uma de minhas preocupações, de uma vez que nas mídias off-line o fato de haver menos veículos de comunicação facilita o cumprimento das decisões, o que não haveria na internet. A eficácia, segundo o CONAR, adviria da cobrança e exigência das próprias empresas, que não possuem interesse em ver seu nome atrelado a veículos de comunicação (no caso os blogs) que descumprem as normas do CONAR.

Desta forma, além das agências de mídia on line, as próprias empresas têm interesse em cumprir e fazer cumprir as decisões emanadas por aquele órgão.

Quanto à representação da mídia on-line no CONAR, ela já é uma realidade a partir do momento em que membros da IAB dele fazem parte. Isto foi mencionado em uma das decisões do processo das blogueiras de moda que transcrevo aqui : “A ética publicitária aplica-se a todo e qualquer meio de comunicação, incluída a web, que se associou ao CONAR e aderiu às normas em vigor, através da IAB-Brasil e que reúne todos os portais que explorem publicidade”.

Tal fato é importante porque ainda há alguns segmentos mencionando a necessidade de mais normas reguladoras, e como disse o Sr. Edney Narchi em nosso encontro, não há necessidade de mais normas e sim, de aplicá-las ao meio (no caso a internet); evidentemente, casos surgirão onde questões mais técnicas, envolvendo programação, podem surgir, mas de maneira geral até o presente momento não houve por parte dos julgadores do CONAR nenhuma dificuldade em julgar os processos advindos do meio digital.

Há ainda inúmeros outros assuntos a se discutir junto à comunidade de mídia online: ações publicitárias onde blogueiros recebem brindes (ainda que sejam viagens gratuitas), aquelas envolvendo bebidas, ações no twitter – o rol é imenso, mas aos poucos iremos explorando-os um a um.

 Em resumo: O CONAR veio pra ficar nas mídias sociais e é imprescindível que os profissionais do mercado atuem de acordo com as suas normas, não esquecendo no entanto que há outras normas a serem observadas.

 

 

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