MARCO CIVIL: NEUTRALIDADE DA REDE

Flavia Penido/ abril 2, 2014/ Notícias

NEUTRALIDADE DA REDE

 

Muito se tem falado sobre o Marco Civil da Internet, e como é de hábito, as discussões por vezes tomam um viés ideológico que, apesar de válido, deve ser utilizado com parcimônia, sob pena de darmos mais atenção às origens de um artigo de lei do que os efeitos que dele advirão.

O importante, a meu ver, não é decidir se um artigo tem origens em conceitos de direita ou esquerda, e sim verificar quais serão os benefícios ou malefícios  trazidos por um artigo de lei.

Dito isto, gostaria de entrar neste debate sobre o Marco Civil esclarecendo alguns pontos que estão dúbios para grande parte da população. Farei isso em uma série de posts, onde cada um abordará um tema importante inserto no Projeto de Lei. Este abordará a tão falada neutralidade da rede.

Por que a neutralidade da rede é importante? Como está a abordagem da neutralidade da rede na versão do Projeto de Lei aprovada pela Câmara semana passada?

Neutralidade na rede, grosso modo,  é o termo utilizado para definir a forma de tratamento igualitária de todo conteúdo que trafega pela internet. Em um sistema que privilegie a neutralidade da rede, não é possível, por exemplo, diferenciar preços em razão de o conteúdo consistir no envio de emails ou filmes (como o sistema da Netflix por exemplo) ou chamadas de voz via VOIP (Skype e Viber); independente do conteúdo, o tratamento dado pela rede deve ser o mesmo.

A discussão é relevantíssima sobretudo porque aqui e ali, pipocam decisões em outros países derrubando o princípio da neutralidade da rede. Os Estados Unidos têm decisão a respeito, que vem obrigando algumas empresas (Netflix é uma delas) a firmar acordos com provedores, com o intuito evitar que a velocidade de envio de seu conteúdo seja diminuída, prejudicando assim a qualidade dos serviços prestados aos seus clientes.

Uma explicação prática e clara da neutralidade da rede é a que foi dada pelo UOLTecnologia:

“Em uma comparação simples, o marco garantirá que a sua internet funcione como a rede elétrica (não interessa se a energia será usada para a geladeira, o micro-ondas, a televisão) ou os Correios (o serviço cobra para entregar a carta, sem se importar com o conteúdo dela).

As empresas de telecomunicações que fornecem acesso (como Vivo, Claro, TIM, NET, GVT, entre outras) poderão continuar vendendo velocidades diferentes – 1 Mbps, 10 Mbps e 50 Mbps, por exemplo. Mas terão de oferecer a conexão contratada independente do conteúdo acessado pelo internauta e não poderão vender pacotes restritos (preço fechado para acesso apenas a redes sociais ou serviços de e-mail).

Dito isto, há um ponto importante a ressaltar: A redação atual garante a neutralidade da rede?

Esta é uma pergunta  cuja resposta somente saberemos após aprovação da lei e redação dos Decretos correspondentes. Vejamos a redação do artigo referente à neutralidade da rede:

Art. 9º O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.

§ 1º A discriminação ou degradação do tráfego será regulamentada nos termos das atribuições privativas

do Presidente da República previstas no inciso IV do art. 84 da Constituição Federal, para a fiel execução desta Lei, ouvidos o Comitê Gestor da Internet e a Agência Nacional de Telecomunicações, e somente poderá decorrer de:

I – requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações; e

II – priorização a serviços de emergência.

O caput do artigo realmente está muito claro e deixa claro o princípio da neutralidade da rede. No entanto, o parágrafo 1º delega ao Poder Executivo, após oitiva de algumas entidades, dispor sobre discriminação ou degradação do tráfico, o que pode dar margem para redações ilegais que extrapolem os poderes conferidos ao Poder Executivo nesta matéria. É inegável que nosso País tem uma tradição em editar decretos e resoluções cuja redação ultrapassa em muito os poderes conferidos pela lei que deveriam detalhar.

Em outras palavras: levando-se em conta o modus operandi da edição de Decretos no Brasil, não é de todo impossível que uma normatização venha tentar colocar por terra o princípio tão almejado da neutralidade da rede. A própria redação do artigo 1º, pouco detalhada (muito “aberta”, no jargão dos advogados), propicia eventuais abusos. Ante a atual redação, não é impossível  o início de uma briga desigual entre grandes empresas de telecomunicações e provedores contra entidades de defesa do direito do consumidor e o Ministério Público, briga demorada que pode ter consequências bastante desagradáveis.

Em resumo: com a atual redação do Projeto do Marco Civil, só saberemos se o princípio da neutralidade da rede foi acatado após edição de seus decretos regulamentadores. Aguardemos os desdobramentos, mas não acho seguro comemorar vitória desde já.

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